domingo, 4 de outubro de 2015

A TROCA DOS NOMES

Os debates na televisão, particularmente aqueles que incidem sobre o
tema econômico, têm sido pródigos em apresentar a figura do jovem empresário.
Esses costumam revelar um perfil de modernos administradores, educados,
cordiais, preocupados com as questões sociais, com o nível de renda dos
trabalhadores, com o lazer nas empresas que dirigem. Todo esse jorro de
elegância e bondade costuma, muitas vezes, revelar o avesso de uma vergonha.
Efetivamente, estão eles a dirigir grandes corporações, cujo fim
último é o lucro e a ampliação do capital. Tais temas, porém, são pesados
demais para serem compartilhados com o grande público, melhor que vivam a
tirar o sono apenas dos altos executivos!
É muito raro que tal empresário se empenhe numa aberta defesa do
capitalismo; palavra aliás da qual fogem como o diabo da cruz. As loas são
agora para o regime de livre-empresa como sendo aquele capaz de patrocinar
justiça social e justa distribuição da renda. Afinal, por que regime de livre41
empresa, e não capitalismo, modo de produção cuja amplitude e significado
engloba e transcende aquele?
O eufemismo não teria maior importância se deixasse de ser um jogo de
mistificação, nascido exatamente pela troca dos nomes. A alteração lexical não é
apenas parte de um natural processo sinonímico, mas o desejo de dourar uma
pílula cujo desgaste se tornou evidente.
A palavra capitalismo ficou muito feia, todos costumam associá-la à
exploração do homem, à ganância, a um tipo de relação onde, para relembrar
Machado de Assis, impera a filosofia do homem como lobo do próprio homem.
Livre-empresa, ao contrário, soa mais angelical, revelando uma forma de
organização não contaminada pelas desagradáveis e incômodas lembranças
sugeridas pelo capitalismo.
Mas, se não há diferença substancial entre um e outro termo, por que
trocá-los? Qual o jogo retórico que está por detrás do eufemismo? A resposta
nos remete a uma idéia segundo a qual uma das preocupações do discurso
persuasivo é o de provocar reações emocionais no receptor. Ou seja, no caso de
se deslocar a palavra contaminada (capitalismo), para a angelical (livreempresa),
assegura-se uma recontextualização do signo que passa agora a
produzir novas idéias, valores que não são mais associados às primárias formas
de exploração do capitalismo.
O grande dramaturgo alemão, Bertolt Brecht, dizia que uma das funções
de quem trabalhava com comunicação de massa - particularmente naquela
Alemanha que estava assistindo ao crescimento do nazismo — seria a de nomear
corretamente as coisas: nacional-socialismo não é o mesmo que nazismo etc.
Como se pode ver, são estreitas as relações entre signo, ideologia e construção
do discurso persuasivo. Nas palavras de Umberto Eco: “... determinado modo de
empregar a linguagem identificou-se com determinado modo de pensar a
sociedade” *

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